sábado, 28 de maio de 2011

Desatino: às vésperas do escárnio interior.

Me faltam lenitivos
para apascentar a calmaria
doutrinada pelo incômodo
da incerteza
Me faltam irrisórias
noites de percepção
da minha própria
falta de seriedade para com
os mandamentos do mundo
que se diz como o é
Me calam austeros
paradigmas da existência,
dizendo que o fazem
por pura preocupação com o outro
Distorce-se realidade em
sonhos comprados em brechó
por pura carência
de atualidade a qual se pode idolatrar
Vende-se pés descalços
como se fossem brinquedos
para evitar desabrochar
a espontaneidade escondida em cada calo
Lavam as mãos aqueles que tem
sob as unhas
sangue barato de homens puros.

Há de se concordar que
Desanuviar as lamúrias do mundo
E defender os olhos dos que ainda choram
Nada resolve se feito de dentro pra fora.

É preciso algumas janelas abertas
Para entrar ar
Mas também é preciso
Fogo para proteger o corpo
Afinal, bicho acuado se encolhe por instinto.
E vento frio nos encolhe por natureza.

Eu visto uma camisa de cambraia e me aqueço
Sob a chama de desilusão...
Era eu...
Aquém do que deveria ser.

terça-feira, 17 de maio de 2011

O começo do fim

Pergunto a você se suportaria a vida sem ser como ela é. Sem querer sair de casa e morar sozinho com 21 anos por conta da incapacidade de conviver com seus pais.
E tudo começa com a relação com os pais, obviamente. Você quer sair de casa porque não agüenta mais a família e acha que será maduro e independente ralando que nem um escravo pra ganhar alguns dinheiros e poder comprar o que te dizem que deves comprar.
E tudo começa com o dinheiro, obviamente. Aquela certeza cega de que a vida é merecedora de alguns pedaços de papel e tudo de mais valor no mundo pode ser trocado por ele. A partir daí tenta-se trocar dinheiro por sentimento, coração, alma. E descobre-se que não pode. E a tentativa de tomar à força provoca a imbecilização das relações humanas até que essa hereditariedade seja congênita.
E tudo começa com a ilusão, obviamente. Não sei se fajuta ou real. A questão é que quando é preferível não ter o controle sobre si mesmo e vê-se na facilidade de viver o motivo pra existir de forma mecânica e desumana, todas as ações da vida se baseiam num único e desprezível ponto: como vou fazer pra ganhar dinheiro? Como vou fazer pra sobreviver. E nessa selva, mato de espinhos, o homem canibaliza-se pra matar a fome de convicções.
E tudo começa com a convicção, obviamente. De que o trabalho e as formas que se criaram para interpretar tão ação no mundo moderno dignifica o homem; o dinheiro é necessário pra sobreviver; quem não corre atrás não conquista seu espaço; a mulher veio da costela do homem; o negro não é mais discriminado; o homossexualismo não é natural; a lei do silêncio proíbe a música a noite mas não as buzinas dos carros...
E tudo começa com as buzinas dos carros. Ensurdecem, calam-nos, gritam um carcarejar maquinal, metálico.

De carne e osso só restaram alguns livros, filmes e instrumentos musicais.
E como diz Affonso Romano de Sant’Anna, “Inauguramos a era da solidão coletiva”.