quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Rota de fuga


Ele virou a esquina e sumiu.Mesmo que, logo em seguida, você vire para procurar por ele, já terá ido.Colocou uma mochila nas costas e foi em busca de alguma coisa merecedora de ser buscada.Entrou na rua mais vazia e, como em calçadas de paralelepípedos, foi construindo, pedra por pedra, uma a frente da outra, uma nova trilha, sem precisar colocar placas de "cuidado obras", nem desvio de passagem para pedestres.Declarou-se desaparecido, sem cartazes de procura-se nem mapas de como lhe encontrar.Quis que não o encontrassem.Pegou a trilha do "lá longe" até chegar em Neverland.Queimou dinheiro.Dormiu em kombis de hippies, lavou a calça em rio de água corrente e brincou sozinho de ver desenhos em nuvens num céu azul turquesa que avisava a chegada da chuva.Tomou banho de mar numa praia deserta, depois tomou banho na chuva.Secou a roupa estendida em galhos de árvore, e dormiu à sombra de bananeiras.Viu o sol se pôr aos pés de montanhas e viu o sol nascer debaixo de lençóis de água.Plantou árvores, abraçou árvores, conversou com árvores e comeu frutas de seus pés.Levou picadas de bichos que não conhecia e fez amizades com bichos que nunca mais voltou a ver.Experimentou comidas diferentes e mulheres exóticas, conheceu homens inesqueciveis e lugares incríveis.Percorreu quilômetros, deu a volta ao mundo e escreveu um diário.Perdeu o sotaque(que nunca teve) e ganhou sotaques que nem sabia que existiam.Passou frios e calores, viveu amores e desamores, odiou, aprendeu a gostar, sonhou, acordou sem saber onde estava, se envenenou, se curou de doenças que nem imaginava que tinha e descobriu coisas que nem imaginava que sabia.Escutou músicas que ele mesmo fez, leu poesias feitas por analfabetos e se daparou com cenas cinematográficas, ao vivo, que nem foram filmadas.Construiu objetivos, preservou subjetivos, esqueceu-se de promessas e sentiu saudades...Morreu de saudades, morreu de amores, viveu de felicidades e de aventuras.Quis voltar pra casa e teve medo de morrer onde tinha acabado de chegar.Aprendeu a viver com quem não tinha pelo que viver.Descobriu que a vida o esperava na virada da próxima esquina.Depois mais de um ano e alguns meses voltou pela mesma rua que foi, mas que desta vez ele mesmo tinha calçado, pintado...reformado.Entrou pela mesma esquina que sai e no final da rua encontrou as mesmas pessoas que tinham ficado.Finalmente poderia explicar o porque de não terem lhe encontrado, mas não soube.Só soube falar que a pessoa que tinha ido não era a mesma que tinha voltado, e que agora a rua pela qual ele tinha passado recebeu seu próprio nome.Quando perguntaram onde tinha ido respondeu "Alí, virando a esquina, passando uma rua que parece esperar reformas com uma placa sem nome".

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Desilusão


Hoje descobri que algumas promessas são feitas só para deixarem saudades.
E que as flores só murcham quando o outono chega(não se precipite), e sempre (re)aparecem na primavera.Me toquei que só chove quando o céu esconde o sol, mas que as vezes a água pode iluminar mais do que raios do sol tocando as flores recém-nascidas.
E que cores de Almodóvar existem permanentemente na paisagem de cada visão , com chuva ou sol, depende de como você as vê.
Parece óbvio quando se descobre, mas eu me sinto agora como uma criança que acaba de descobrir que existem 1001 possibilidades de qualquer coisa, e que nenhuma delas importa naquele momento.É óbvio.Mas quem disse que é para ser descoberto por todo mundo?Acho que existe uma barreira que impede as pessoas de se desiludirem.Tem gente que não aguentaria.Hoje só descobri coisas que já sabia...só não sabia que ainda não tinham sido descobertas.

Dias de sol

"Depois da tempestade vem a calmaria".Será que vem mesmo?
As vezes da a impressão de que a chuva só veio pra nos preparar para o sol.A cada janela aberta de manhã o sol é diferente.A própria janela é diferente..a paisagem da janela.Penso nas pessoas andando na rua de manhã, parada nos pontos de ônibus, dentro dos carros, com suas sacolas pesadas de compras.Algumas delas passam pelo dia inteiro e nem se dão conta de que existe alguma coisa iluminando o lugar onde elas ainda estão procurando ir.Fico me perguntando se depois de tantos momentos na história da sociedade de demostração de amor e sensibilidade, até com as mínimas coisas, e não ha como negar que um deles aconteceu a 40 anos(Woodstock) - um tempo tão curto entre isto e nós não é? - , as pessoas tenham regredido a um individualismo babaca, um estado de aridez permanente e paralização do lado do cérebro que da conta de sermos seres humanos.Não me conformo com os jovens de hoje, filhos da geração de Cazuza, Raul, Renato Russo, Cássia Eller e tantos outros, netos da geração de Janis Joplin, Jimmi Hendrix, The Beatles, Neil Young e etc, sejam tão...precocemente pragmáticos e dotados de um cumprimento de um acordo pré estabelecido não sei por quem que faz com que todo mundo seja igual.Mesma carinha, mesma roupinha, mesmo jeito de andar, rindo das mesmas coisas, falando as mesmas coisas(por mais que a essa altura não lhes sobre espaço nenhum na cabeça que caiba algum assunto interessante).Um bando de gente "desinteressante" filhos e netos das gerações mais interessantes que ja se ouviu falar. Caretas e sem sentido de vida nenhum.Afinal, que graça tem em viver para sí mesmo?Ainda estou esperando (esperançoso) que, antes de eu ficar velho demais, eu possa ver a minha geração usando a herança que lhes foi deixada, e eu possa olhar pela janela e ver que o sol hoje está diferente e não está sozinho.

Poesia para apreciar.

"O primeiro censo é a fuga
Bom, na verdade é o medo, daí então a fuga
Evoca-se na sombra uma inquietude
Uma alteridade disfarçada inquilina de todos os nosso riscos
A juventude plena e sem planos se esvai
O parto ocorre
Parto-me, parto-me
Aborto certas convicções
Abordo demônios e munias
Flagelo-me, exponho cicatrizes
E cuido dos meus com muito mais cuidado
Muito mais atenção
E atenção que parecia nunca não passar
O servil que passou para servir
Para discernir
Para harmonizar o tom,
Movimento o som
Toda terra que devo doar
Todo voto que devo parir
Não dever ao de vir
E nunca deixar de ver
Com outros olhos
Com outros olhos"
Fernando Anitelli-O Teatro Mágico

Até lá

Uma coisa nova.A leitura no ônibus, um vinho de madrugada, um filme, uma conversa, um olhar pra fora da janela.Até reconhecer estranhezas que nunca lhe pareceram importar.Estranhezas que lembravam algo familiar, mas que esperam por um único acender de lamparinas acima da sua cabeça, e subitamente cria-se algo legível...inteligível.Até tudo entrar em acordo, e as palavras brotarem como um temporal de final de inverno que cresce aos poucos lavando as ruas pra chegada da primavera.Até tudo se encaixar em um único pensamento, harmonizar o tom, afinar o som, descobrir o dom...Cria-se..Arte.Criarte.